Frantz Soares
Memórias da matéria pictórica em Jataí
Atualizado: 26 de ago. de 2022
Uma análise subjetiva do processo criativo Frantz – Porto Alegre/Jataí
Por Aline da Costa Luz

A proposta de Frantz interliga Jataí e Porto Alegre de maneira virtual e concreta. A partir da rede formada entre curador, artistas, teóricos e produtores envolvidos na proposta de habitação/ocupação do Museu de Arte Contemporânea de Jataí, Frantz inicia seu trabalho procurando contato com participantes do projeto residentes em Jataí. Para o artista, o mapa dos trajetos e a estrutura física do museu não eram os aspectos mais importantes a se conhecer da cidade em que habitaria juntamente a outros artistas.
O link se estabelece comigo (Aline Luz) que, a pedido do artista, visito estabelecimentos nos quais se trabalham com pintura de carros e faixas e fotografo a “sujeira” ocasionada pelos resíduos de tintas utilizados nesses lugares. A proposta gerou um estranhamento, no entanto, a cada visita se tornava mais instigante. As pessoas, habituadas a trabalhar em meio aos resíduos de tinta não compreendiam porque seria interessante fotografá-los. Como a esses resíduos seriam capaz de servir de inspiração?
A princípio, acreditava que o trabalho de Frantz se resumiria às fotografias. No entanto, ao apresentar as fotos dos estabelecimentos, surge a proposta de forrar com lona de tela as paredes, mesas e o chão dos lugares, fazendo do lugar o espaço branco da tela, no qual os trabalhadores utilizariam da maneira que quisessem. A sujeira de tinta seria utilizada na composição do trabalho de Frantz ao chegar a Jataí.
Novos estranhamentos surgiram quando propusemos colocar a lona de tela no local de trabalho dos pintores de faixas e carros. “Mas vai sujar!”, diziam eles. Era essa a idéia. Sem conhecer o trabalho de Frantz, os trabalhadores se tornaram artistas sem saber.
Mais uma vez tentei limitar o trabalho do artista. A habitação de Frantz não se resumiria apenas às lonas de tela com resíduos de tinta, como eu acreditava. Ao chegar a Jataí e visitar os locais escolhidos para o trabalho, ocorre uma ampliação do universo de composição do artista.
Nas paredes onde se trabalha com pinturas de faixas de tecido, formam-se camadas de tinta ao longo dos anos, com diferentes cores e materiais. A partir de técnicas utilizadas em restauração de pinturas, Frantz se propõe a trabalhar com essas camadas de tinta presentes nas paredes.
De lugares comuns, de espaços em que as pessoas freqüentam rotineiramente, da “sujeira” formada ao longo dos anos, se extrai a arte. Mas seria isso arte?
Com cuidado e paciência, arqueólogos e restauradores conseguem retirar pinturas milenares de paredes egípcias e transportá-las a museus como o Louvre. Ocorre um deslocamento geográfico, assim como faz Frantz, no entanto, trabalhando de forma grotesca. Paredes com 12 anos de camadas de diferentes tintas, deslocam-se para o Museu de Arte Contemporânea de Jataí. De um lugar em que já não eram mais olhadas, passam a ocupar/habitar o Museu, e serão vistas como obras de arte. Deslocam-se de Jataí para Jataí, dois espaços de uma mesma cidade em que ganham cargas de conceitos diferentes.
Frantz ocupa/habita o MAC/Jataí a partir de elementos construídos na própria cidade do museu. E-mails, conversas de messenger, pacotes enviados por correio ligam o artista com os moradores da cidade. Lonas de tela sujas por pinturas de faixas, placas, toldos, camadas de tinta retiradas das paredes a partir de resina acrílica (processo utilizado por restauradores), ou mesmo por espátulas (trabalho no qual se percebe que para o trabalho artístico, não bastam idéias e sensibilidade, mas é necessário suar a camisa), ligam os espaços de trabalho cotidiano com o espaço das artes. Vivenciar esses processos de criação gerou em mim questionamentos sobre os lugares dos quais podemos extrair a arte, a opinião de simples trabalhadores ao presenciarem processos criativos, como os deslocamentos de espaço e de tempo geram cargas de conceitos sobre objetos do cotidiano.